domingo, 26 de maio de 2013

O Juruá de minha infância



Rio Juruá seco.Arquivo pessoal.Setembro/2013.



O JURUÁ DE MINHA INFÂNCIA            

Verônica Lima e Silva de Almeida
vepeixes@gmail.com

                     
Prezados leitores,trata-se de um estudo em andamento,portanto passível de modificações.  
             Sabe-se que os rios também tem sua história e sua importância  na vida das populações humanas que as suas margens habitam.A  importância do rio Juruá para seus habitantes não é vista apenas pelo fornecimento de águas para a realização de tarefas domésticas ou agricultáveis,mas porque este rio serve assim como muitos rios da bacia Amazônica como via  de integração entre as muitas comunidades e cidades do Peru, Acre e Amazonas,exercendo  função de ” estrada fluvial”,permitindo assim o escoamento da economia do Vale do Juruá via comércio de batelão,já que as estradas terrestres são quase inexistentes nesta fronteira brasileira.

                 Vários viajantes mencionaram o rio Juruá em seus Mapas geográficos e em seus diários de viagem, destacando suas riquezas naturais e suas populações indígenas. Na viagem de descobrimento que fez Pedro Teixeira, do Pará à Quito pelo Amazonas (1637-1639).Padre Cristobal de Acuña,relator da viagem na volta de Quito à Belém,ao passar pela desembocadura de um grande rio no Solimões assim escreveu em sua obra "Nuevo Descubrimento Del Gran Río de Las Amazonas" ,publicada em Madri em  1641 “...boca do rio que com razão podemos chamar de Cuzco, pois, segundo  um regimento desta navegação,que vi de Francisco de Orellana,está norte sul com a mesma cidade de Cuzco.Chamam-no os naturais de Yuruá.” (SILVA,2010:187).

                Encontramos outros relatos sobre este rio no diário de Padre Samuel Fritz (1654-1725),missionário alemão da Companhia de Jesus que viveu por quase 40 anos nas missões do Solimões catequizando os Omaguas,jurimaguas,Mainas e outros indígenas.Durante uma viagem que realizou pelo rio Marañon,desde São Joaquim dos Omaguas até a cidade de Grão-Pará(1689 -1691,padre Fritz assim escreveu em seu diário:

“para escapar à grande enchente que sóe haver neste rio todos os annos, em fins  de janeiro ao anno de 1689,da redução de São Joaquim dos Omaguas(II),que é princípio de minha missão,desci a aldeã dos jurimaguas,[...]Em fevereiro cheguei aos Jurimaguas(IV),onde fizemos egreja ou capela dedicada á Nossa Senhora das Neves”(GARCÍA,1917:359) 

                   Segundo Meirelles (2009:53), a capela erguida por Padre Fritz em homenagem a Nossa Senhora das Neves foi construída na região entre o Rio Napo e o Caquetá (Japurá),no Solimões,provavelmente entre a Foz do Rio Juruá e do Içá.Em 3 de junho de 1689 anota “No dia seguinte ao amanhecer passei pela embocadura do Juruá, pela tarde outras aldêas de Aisuares, Guayoêni e aurimate”.No regresso em 1691 registra “A’s nove do dia chegamos á redução de Nossa Senhora das Neves dos jurimaguas, que encontrei despovoada inteiramente e a egreja queimada por descuido de um rapaz, menos o lenço de Nossa Senhora, que se conservou prodigiosamente intacto”( GARCÍA,1917:359:381).

              O botânico alemão Johann Baptist Von Spix (1721-1826),que iniciou viagem pelo Brasil juntamente com Kart Friedrich Phillipp Von Martius(1794-1868),partindo do Rio de janeiro em 1817e passando por São Paulo,Minas Gerais,Bahia,Pernambuco,Piauí.Maranhão,Grão Pará e Rio Negro em 1819,em sua obra Viagem ao Brasil nos anos de 1817-1820,financiada pelo Rei Maximiliano I,da Baviera,assim escreveu sobre o Juruá:

Rio de águas um tanto mais claras do que as do Solimões, até agora é ainda muito pouco conhecido e não é navegado profundamente para o interior das terras. Na sua foz tem quase um quarto de légua de largura. É habitado pelos índios Catauixis, Catuquinás, Canamarés, etc.,e é incrível ali a abundância de cacau e salsaparrilha”(SILVA,2010:187).   


                Observa-se pela citação acima que o Juruá era um rio pouco conhecido, como atesta o relatório sobre o “estado” da Província do Amazonas, feito pelo presidente da Província do Pará, ao primeiro presidente do Amazonas João Baptista Figueiredo Tenreiro Aranha em 1852,ou seja depois da instalação desta Província.

 “Toda via há rios caudalosos, pouco fallados ou conhecidos, porque não tem sido explorado até suas vertentes, que tem curso muito extremo e inteiramente livre, ou mui pouco embaraçado das cachoeiras, como são o rio Abacaxi, na margem septentrional do Amazonas, entre o Maués e Canamá paralelos ao Madeira; o Purus e o Juruhá e até o Jutaí e o Içá,que desaguão no Solimões”(AMAZONAS,1852:56).



             No mesmo ano (1852),Tenreiro Aranha visando a integração regional entre a Província do Amazonas e a de mato Grosso e entre estas e os Estados  da Bolívia,do Peru,da Nova Granada,do Equador e Venezuela envia duas expedições para explorar os rios Abacaxis e o Purus.A primeira sob o comando de João Rodrigues de Medeiros* “á fim de abrir-se huma via de communicação que désse transito menos penoso ao Commercio de Matto Grosso,fora dos riscos e perigo que offerecem as immensas caxoeiras,que vedão nesse rio o livre transito”(P,61,SI-XI).A segunda comandada por Serafim da Silva Salgado** para explorar o rio Purus até o Beni e assim chegar-se a Bolívia.  “Ainda para a Bolívia pretendo que também se abra outra via de communicação pelo Juruhá, por onde alguns habitantes desse Estado e do Perú já tem descido”(AMAZONAS,1852:67:68)(pesquisar).


*.Relatório de  João Rodrigues de Medeiros,sobre a exploração do rio Abacaxis.(61.SI-XI).Partiu em 12 de maio de 1853 e retornou em 09 de fevereiro de 1853. Nomeado conforme oficio de 14 de abril de 1852.Disponíveis em Documentos da Província do Amazonas.
**.Relatório de Serafim da Silva Salgado,sobre a exploração do rio Purus.(61,S1.I-VIII).Partiu em 10 de maio e retornou em 30 de novembro  1852.Nomeado em 5 de maio de 1852.

            Segundo Meirelles Filho(2009:134),na década de 1850 já é possível navegar no Rio Amazonas,de Belém até Nauta,no Peru,passando pela fronteira do Brasil em Tabatinga,em barcos a Vapor.No dia 11 de março de 1854 o vapor MONARCHA, da Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas empreendia sua primeira viagem da capital desta Província com destino a Povoação de Nauta,na República do Peru.No 17º dia de viagem o comandante do vapor faz as seguintes anotações::


Manhaã –oh.25m.A’B.B.a foz do rio Juruá.Apresenta uma largura não excedente a meia milha(b) por existirem de permeio algumas ilhas.Despeja no Solimões pela margem austral,com uma velocidade de 2 milhas,por hora,na latitude sul 2° 45’ e na longitude de 311° 36’;é navegável por muitos dias e suas margens são habitadas pelos Indios Marauás,Canamarís,Náuas,,Conivos,,Catuquinas e Catauxís.Depois  de uma viagem de 40 dias em canoas pequenas chega-se ao ponto em que n’elle aflue o rio Paráuácû,pelo qual na estação da cheia com 10 dias de navegação,passa-se para o rio Purus.(EXPOSIÇÃO,1855,S1-380,381,382).

 * Fala dirigida á Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas, no dia 1 de agosto de 1854.Pelo presidente da província, o conselheiro Herculano Ferreira Penna. Barra do Rio Negro, Typ. de M.S. Ramos, 1854.

   "No Hyuruá desaguam até a distância navegada 8 rios,dos quaes o maior é o Tarauacá.os lagos que se encontram nessa mesma extensão são em grande numero.Por este rio algum collectores de drogas teem subido tres mezes,sem interromperem a viagem;outros nove,demorando-se algum tempo nos aflluentes .Do ponto mais distante,para voltar a fóz,gastam um mez de viagem seguida.(36,)

  A publicação no Jornal  The Royal Geographical Society dos Relatos de William Chandless(1829-1896) sobre o o Rio Aquiry(hoje,rio Acre), afluente do Rio Purus contribuiu para que o Brasil tomasse a decisão de abri a navegação do Rio Amazonas e seus principais afluentes aos navios mercantes de todas as bandeiras conforme Decreto N° 3749 de 7 de Dezembro de 1866. William Chandless,morou na cidade de Manaus entre os anos de 1861 e 1868,onde passou a explorar alguns rios da região como Arinos,Juruena,Tapajós(1862),Purus(1866),objetivando encontrar comunicações entre estes rios e o Rio peruano Madre de Dios e o Ucayali.Ao voltar de uma viagem a Inglaterra em junho de 1867 pretendia  subir os Rios Madeira e Beni,mas a dificuldade em formar uma tripulação e temendo ser "muito tarde para subir o Beni com perspectivas de sucesso",decide subir o Amazonas em um navio que o levará até Tefé e,a partir daí explorar o Juruá(junho/1867).
"Sua dificuldade com a formação da Tripulação de "indios Bolivianos"..,"apenas é resolvida com o auxilio de João da Cunha Correia - também explorador de rios - que "Completa os homens! do viajante inglês,enviando-lhe um de seus escravos.Desse modo,Chandless segue o curso do Rio Juruá,em busca de sua nascente,ainda na expectativa de encontrar ligação com a região andina.Porém,após cerca de 1600 a 1900 quilômetros percorridos - a maior distância "explorada" até então -,o "explorador" é impedido de prosseguir sua viagem,devido ao "ataque" dos Nauas,historicamente tratados como  um grupo indígena "temido""Sobre os resultados de sua viagem,o presidente da RGS assim falou em 1869:Nosso incansável medalhista de ouro,Sr.Chandless,tendo sido mal sucedido em uma tentativa de subir o Rio Beni,voltou sua atenção para outros afluentes do Amazonas e concluiu a verificação do Rio Juruá que,nasce nas densas florestas na margem esquerda do Ucayali e desemboca no Rio Amazonas entre a foz do Ucayali e do Madeira"(ISHII,Raquel,2011.p.48-49)
com a ajuda do prático Manuel Urbano da Encarnação,Chandless,"percorreu o rio Juruá em quase toda a sua extensão,descreveu sua fisiografia e tirou posições astronômicas,sendo o pioneiro no reconhecimento do rio Juruá.Discorreu sobre o regime das cheias e vazantes do rio Juruá,sua tortuosidade,"sacados",furos e igarapés(RADAMBRASIL,1977:101).*William Chandless,nasceu em 07 de novembro de 1829,em Londres,inglaterra.Morreu em 05/06/1896,em Londres aos 67 anos.Em 167,depois de viajar pelo Purús e seus principais afluentes,Chandless empreendeu expedição ao rio Juruá,onde relatou a existência de indígenas Kulina as margens direita deste rio e do Tarauacá.Observou que estes comercializavam,com os batelões: borracha,salsaparrilha,óleo de copaíba e outras.
 Em 1905 o Coronel Belarmino Augusto Mendonça lobo a frente da Comissão Mista Brasileiro-Peruana  de Reconhecimento do Rio Juruá fez o mapeamento  hidrográfico de parte desse rio, de seus principais afluentes,subafluentes lagos igarapés,sacados e furos.
Para uma pesquisa sobre o rio Juruá os diários e escritos deixados pelo missionário e etnólogo Constant Tastevin se faz necessário,principalmente se esta tiver como foco a ocupação indígena nessa região da Amazônia Ocidental Brasileira.
BIOGRAFIA
Segundo Faulhauber(1997),Tastevin nasceu dia 21 de fevereiro de 1890, na Bretanha, e morreu em 1962, no Seminário de Missões de Chevilly LaRue. Foi missionário na Amazônia, sediado na Missão da Boca de Tefé, entre 1906 e 1926. Em 1926, deixou a Amazônia, inicialmente para seguir cursos oferecidos pelo Instituto de Etnologia da Universidade de Paris. Ocupou por três anos a cadeira de Titular do Instituto Católico de Paris, e passou a trabalhar como missionário na África. Seus trabalhos em lingüística africanista, contudo, não tiveram aceitação, ao contrário de suas pesquisas em etnologia americana, pelas quais recebeu muitas condecorações e distinções. (REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 1997, V. 40 nº2).
Leia ainda..
Tastevin e a etnografia Indígena” e “Tastevin, Parrissier. Fontes sobre Índios e Seringueiros do Alto Juruá” são os dois volumes até agora publicados, o primeiro organizado conjuntamente por Priscilla Faulhaber e Ruth Monserrat, e o segundo por Manuela Carneiro da Cunha.Tastevin e a etnografia indígena, publicado em 2008, traz nada menos que dez artigos. Começa com dois textos que poderíamos qualificar de geografia humana e física, no qual Tastevin tentava dar uma imagem, às vezes romântica da Amazônia Ocidental. 
Porém, não é com um texto da autoria de Tastevin que começa o segundo volume, mas com um de seu devancier como missionário da Congregação do Espírito Santo na Prelazia de Téfé: o Padre Jean-Baptiste Parissier. Esse texto, o maior das duas coletâneas (mais de 60 páginas), é também o único inédito. Trata-se da primeira publicação de um manuscrito, e o mais antigo (1898). Esse texto, relato de uma viagem ao longo do Rio Juruá, é como uma introdução a obra de Tastevin. Primeiro relato descritivo da região, é incomparável no que toca aos costumes regionais no finalzinho do século XIX (p. 1), conforme escreve a organizadora do volume na apresentação do artigo. A outra parte do volume, dedicada aos artigos de Tastevin, reúne textos sobre a região do alto Juruá, alternando material de geografia humana e outros mais etnográficos, principalmente sobre povos pano do alto Juruá (Kaxinawa e Katukina pano notadamente), e traz ainda algumas informações sobre os Kulina ou os Kanamari no texto “O Rio Muru”. Todavia, em todos os artigos existem informações sobre as populações indígenas do alto e médio rio Juruá. Os três textos extraídos da revista La Geographie se parecem com os publicados no volume de P. Faulhaber e R. Monserrat, divididos em temas nos quais a descrição aparece como o principal objetivo. Os artigos provenientes das revistas de cunho religioso (como Les Missions Catholiques, Le Lys de Saint Joseph ou ainda os Annales Apostoliques) são relatos do cotidiano e de encontros onde Tastevin não repugna o uso do discurso direito, re-transcrevendo diálogos. São dois aspectos, dois estilos de escrita de Tastevin explorados por M. Carneiro da Cunha. 

O NORDESTINO E O JURUÁ


Nos primeiros anos da instalação da Província do Amazonas o Juruá não era interessante economicamente, salvo para alguns comerciantes de batelão que adentravam seu interior estabelecendo comércio com os nativos,visto ser esse rio "  abundante de tartarugas,pirarucu,e nas extensas praias que offerece durante a vazante fabricão-se muitos mil potes de manteiga de óvos de tartarugas e tracajás.De suas matas colhe-se a castanha,a salsa,o óleo de cupaiba,o breu e pode fabricar-se muita gomma elastica,de que tambem abundão suas margens.[...]Os índios usão para suas caçadas de arco e flexas ervadas,de lanças e tamarandas.Não consta que tenha modernamente havido acto algum hostil da parte d’elles contra o não pequeno numero de commerciantes,que,em procura das drogas de que abundão as matas d’este rio,superão os incommodos inherentes a uma viagem de 30 a 40 dias em canoas de pequenos portes por sertões,inabitados,e onde há em grande abundancia a praga dos borrachudos,(a),e outros mosquitos(EXPOSIÇÃO,1855,S1-380,381,382).
Muitas famílias estrangeiras e brasileiras foram incentivadas pelo governo provincial a migrarem para a recém-criada Província do Amazonas.Se fazia urgente para o seu desenvolvimento e crescimento econômico a ocupação de suas terras assim como o maior número possível de mão-de-obra,para dela tirar as mais diversas riquezas inexploradas.Atendendo aos constantes apelos de seus administradores muitas famílias nordestinas se dirigiram a esta província porque viram ali  não só a oportunidade de um trabalho mas também a possibilidade de se conseguir um pedaço de terra para viver dignamente com sua família nessa vasta região pouco habitada.Sendo tal migração intensificada no final do século XIX com a valorização da goma elástica no mercado mundial.


 “Do ceará, o cidadão João Gabriel de Carvalho e Mello, trouxe uma colônia de 53 cearenses, para o rio Purus, chegou a este porto á bordo do vapor Madeira, no dia 4 de outubro. Sendo esse um bello esforço daquelle cidadão, que procura alargar os horisontes da industria extrativista em que se emprega há muitos annos”(MATTOS:1870:33)

*Relatório de João Wilkens de Mattos proferido na Assembleia Legislativa do Amazonas no dia 25 de março de 1870.     
       
Por ocasião da Segunda Guerra Mundial  muitos trabalhadores brasileiros foram convocados pelo Estado Novo a irem em busca de uma “Vida Nova na Amazônia” .Propaganda  amplamente divulgada no nordeste brasileiro e logo aderida por muitos nordestinos desempregados que assinaram um Contrato de Trabalho com o governo federal e foram trabalhar na selva Amazônica como “Soldados da Borracha”,em função do esforço de guerra entre 1942 e 1945.
                                        
O rio emprestou a seus novos filhos,nos dois momentos mencionados acima não só as suas águas, (Elemento valioso para o nordestino acostumado a viver com a falta dela devido os longos períodos de seca que até hoje de tempos em tempos assolam a região nordestina),mas também sua  densa floresta.Uma realidade incomum para os novos moradores que passaram a serem chamados pelos nativos de “arigós”,dada a falta de ambientação dos mesmos em lidar com as adversidades local.Aos “Soldados da Borracha” foram dadas a responsabilidade de percorrerem a pé as estradas de seringueiras nativas para delas  extrair o látex tão essencial à manutenção da guerra.Assim os nordestinos contribuíram não só com o desenvolvimento econômico da região do Juruá,mas também  com uma  intensa  miscigenação presente até hoje.

O Rio da integração


                                 O Juruá integra dois países sul-americanos : Peru e Brasil, e também dois importantes Estados da Federação Brasileira: Acre e Amazonas. Depois de enfrentar as cachoeiras de sua nascente no altiplano peruano,o Juruá  entra em terras acreana e penetra alvissareiro no  Amazonas até derramar suas brancas águas no Solimões a 3.282 quilômetros depois de sua nascente.
               Desdobrando seus cursos mais sinuosos o Juruá corre no período das cheias furiosamente, levando consigo rio abaixo toras de madeira, lama, sementes, raízes, capim Canarana e árvores inteiras que despencam de seus barrancos.É neste período também que o rio isola quase que completamente as comunidades ribeirinhas localizadas nas áreas  de várzea,vedando o acesso por terra.Permitindo que o ribeirinho,num eterno  zigue- zague por debaixo das frondosas árvores inundadas chegue na roça ou nas casas de seus  vizinhos através de pequenas canoas.
              Com as cheias percebe-se mudanças significativas na composição do rio.Seus afluentes e subafluentes  conectam –se com lagos,igarapés,igapós,paranás e correm para se unir ao Juruá que desce majestoso até a sua desembocadura.Surgem assim os furos encurtando as distâncias dos estirões(longo trecho do rio em linha reta),e os sacados  abarrotados de peixes,onde o sustento do ribeirinho é garantido.
              O Juruá é como um pai sempre servindo a seus filhos.Desde os indígenas das mais variadas etnias,seus primeiros habitantes aos muitos comerciantes de regatão que por ele navegam de cima para baixo e de baixo para cima carregando seus “fardos” de mercadorias.Durante a vazante do rio sob aluviões as encostas das praias tornam-se férteis ao plantio de diversas culturas: milho, batata doce, melancia, feijão e etc..,

              Acre e Amazonas se beneficiam de seu curso d’ água, pois o rio serve de entreposto comercial entre a cidade de Cruzeiro do Sul  e as  cidades  amazonenses mais próximas: Guajará e Ipixuna.Sendo a cidade acreana mais importante da região do médio Juruá e dispondo de um comércio mais forte  e sortido,esta cidade fornece às amazonenses, diferentes e  variados   produtos,  suprindo  assim as necessidades mais imediatas de comerciantes e moradores local,que nem sempre dispõem de capital suficiente para mandar vir de Manaus suas mercadorias.

               As trocas comerciais ali estabelecidas reforçam os laços de convivência entre  acreanos e amazonenses que habitam essa região brasileira onde o rio não tem limites geográficos.O  rio é antes de tudo uma grande estrada fluvial que tem a missão de unir,organizar e de polir as relações entre os visitantes,ribeirinhos e comerciantes que sobem e descem o rio de Cruzeiro do sul/AC a Manaus, estabelecendo em suas margens o comércio de batelão,onde a moeda de compra muitas vezes é a troca de produtos produzidos pelos ribeirinhos ou a confiança estabelecida entre comerciante e comprador.Neste caso o comprador realiza suas compras e o comerciante anota em sua caderneta para receber na volta do batelão  à comunidade.

               Mas o rio não é só trocas comerciais, ele é vida e é a vida dos ribeirinhos que habitam seus barrancos. Nele todos os dias homens e animais tiram seu sustento e aprendem a lidar com as  adversidades da floresta.Dela as mulheres tiram o húmus misturando-o aos estercos para assim plantarem suas hortaliças nos canteiros suspensos próximo à casa.

                 Em todo o seu curso o rio apresenta zonas de isolamento demográfico, guardando em suas reservas naturais uma infinidade viva de  insetos que vivem em seus barrancos  infectando o  ribeirinho de malária,febre amarela e tantas outras doenças tropicais.Estes uma vez  inoculados pelos mosquitos e não podendo contar com o atendimento hospitalar que fica muitas vezes  a dias de distância de sua moradia, se valem imediatamente de seus vizinhos que passam a preparar chás feito de raízes e folhas de plantas para  curar as moléstias.

Os Portos de Cruzeiro do Sul, Guajará e Ipixuna


           Nessas margens uma pequena população se aglomera nas cidadelas cada vez mais prósperas. São pessoas oriundas das zonas rurais que veem para o meio urbano em busca de emprego e vida melhor. No porto principal da cidade de Cruzeiro do Sul,  homens vindos de todas as partes transitam de um lado a outro do rio,numa grande algazarra nas primeiras horas da manhã para vender seus peixes aos mercadores.O mesmo acontece nos portos de Guajará e Ipixuna,onde a produção local é encaminha para venda no mercado municipal,mas claro com menor burburinho e intensidade.

Em cada porto observa-se a construção de flutuantes,uma espécie de armazém a beira do rio servindo para guardar botijas de gás,óleo,sabão,grãos,cereais materiais de construção,peixes e toda espécie de produtos a serem comercializados  nas feiras e mercados local. Assim o rio se torna  primordial e necessário a continuidade da vida, congregando de maneira natural as sociedades humanas que dele necessitam.


O Rio e as cidades de Cruzeiro do Sul,Guajará e Ipixuna


           O rio perpassa muitas cidades ao longo de sua viagem até sua Foz, mas aqui priorizamos falar da cidade de Cruzeiro do Sul/AC,Guajará e Ipixuna/AM,por estarem mais próximas entre si e mais longe dos principais centros administrativos e abastecedores do país.Essas três cidades localizadas às margens do  Juruá criam uma rede de solidariedade entre si.A cidade de Cruzeiro do Sul há tempos auxilia as cidades amazônicas acima citadas,no que tange a Saúde ,educação,portos,aeroportos,produtos alimentícios,de comunicação,serviços bancários,etc..; criando entre essas cidades e suas populações uma estreita relação de amizade.

             Nessas cidades as diversas  pessoas todos os dias embarcam e desembarcam levadas pela resolução de seus problemas.Delas e nelas descem dos barcos os religiosos para suas devoções nas épocas de arraial ou para realizarem as desobrigas nos seringais, comerciantes que vão a praça comercial para estabelecer negócios, pagar impostos, ou  simplesmente buscar prazeres e novidades e moradores de diversos lugarejos com os mais variados objetivos.
            Entre essas cidades percebe-se certo grau de parentesco entre seus moradores. Todo mundo  se conhece ou é parente de alguém que você conhece. As semelhanças entre elas são muitas, mas podemos destacar a permanência da vida pacata e interiorana que todas elas conservam mesmo depois de tantas transformações, crescimento e inovações tecnológicas que sofreram nos últimos anos.
           Cruzeiro do Sul, Guajará e Ipixuna são centros urbanos mais desenvolvidos nessa parte do Juruá.Dispõem de postos de saúde, hospitais, consultórios dentários, serviços bancários, correios, órgãos administrativos, comércios, farmácias, academias, mercados e praças públicas. Em Cruzeiro do Sul a vida cultura é mais efervescente que nas suas vizinhas. Seus moradores e visitantes podem contar com jornais diários, revistas, livros, rádio local, salas de cinema, casas de shows, bares, restaurantes e etc..;

          Nesses três municípios moram milhares de brasileiros às margens do rio Juruá.Os chamados ribeirinhos,que de suas casas simples nos seringais observam muitas vezes debruçados nos parapeitos das janelas à vida que segue em função do rio. Enquanto no varal ao lado das casas as roupas lavadas no rio estão a secar. Nos inúmeros seringais a sua margem se moram pessoas dos mais variados lugares, diferentes umas das outras.Assim se fortalecem,trocam experiências e passam a conviver como velhos conhecidos, estabelecendo uma consciência de igual.
          Portanto, as cidades são recintos que recebem hospitaleiras, indígenas, viajantes que veem de várias partes da América Latina e do mundo conhecer e estudar o Vale do Juruá. Famílias inteiras que chegam para as festas religiosas e cívicas que acontecem a cada ano.
              Numa viagem de barco pelo rio o viajante observa o revoar dos pássaros e os tracajás (cágados) a tomar seu banho de sol nos galhos secos das árvores caídos às margens do rio,mulheres a sua beira lavando roupas,louças,crianças tomando  banho e animais saciando sua sede.Assim o viajante segue sua viagem deslumbrando-se com sua rica e diversa paisagem natural, onde o rio e o ribeirinho são velhos conhecidos.

            A  densa floresta tropical ainda “preservada” oferece a seus moradores os mais diversos tipos de sementes, frutos raízes e ervas medicinais. O rio é uma zona de contato que uni e agrega diferentes povos brasileiros,peruanos e estrangeiros que por ele se embrenham, seja como  aventureiros, cientistas, religiosos ou como ambientalistas em defesa dos índios e da floresta. Uma coisa é certa, todos os que pelo Juruá navegam se encantam e partilham da vida primitiva ainda existente nestes rincões brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ACUÑA, Cristóbal Imprenta del Reyno, 1641. FRITZ, Samuel, sj. Diário. Introducción de Hernán Rodrigues Castelo. de. Nuevo descubrimiento del gran río de las Amazonas. Madri, Quito, Studio 21, 1997. 

Colleção das Leis do Império do Brasil,de 1866.Tomo XXVI,Parte I - Rio de Janeiro,Typographia Nacional.Rua da Guarda Velha,1866.

CHURCH,Obituary;William Chandless,1896,p.77-79.

Diário Oficial do Amazonas.http://diariooficialconsultas.prodam.am.gov.br/listadiario.php.

Estudos sobre o Amazonas, Limites do estado/Rio de Janeiro/Torquato Tapajós,1895.Disponível em

EXPOSIÇÃO ao Presidente da Província João Baptista Figueiredo Tenreiro Aranha,pelo Presidente do Grão-Pará.Dr.Fausto Augusto de Aguiar.Manaus.Tip. de. Santo e Filhos.10p.12/1851. ROLO,CÓDIGO CENDAR;R 107.2.1-001.Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/64/.17/06/13.

EXPOSIÇÃO apresentada ao Dr. Manoel Gomes Corrêa de Miranda,1° Vice-Presidente da Província do Amazonas,pelo secretário de Governo João Wilkens de Mattos.Manaus:Tip.de Manoel da Silva Ramos.13p.02/01-31/12/1852.CENDAP.R 107.2.1-001.Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/64/.17/06/13

FILHO,João Meirelles,-Grandes Expedições à Amazônia Brasileira-1500-1930.Editora:Metalivros,São Paulo,2009.

ISHII,Raquel Alves,1985 - Viagens do "homem que virou rio",narrativas,traduções e percursos de William Chandless,pelas Amazônas,no século/Raquel Alves Ishii - Rio Branco UFAC,2011.121f.;il 30cm.

MORALES, Lúcia Arrais - Vai e vem vira e volta:as rotas dos soldados da borracha.Disponível em: http://www.kilibro.com/book/preview/121367_vai-e-vem-vira-e-volta.acesso em 12/07/2013.

RADAMBRASIL – Projeto - Departamento Nacional da Produção Mineral. Folha SB.19 Juruá; geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro, 1977. 436 p. Must., tab., 7 mapas 27,5 cm (Levantamento de Recursos Natural).Disponível emhttp://library.wur.nl/isric/fulltext/isricu_i00006754_001.pdf.ACESSO 14/06/2013.

RELATÓRIO que o Sr. João Baptista Tenreiro Aranha,Presidente da Província do Amazonas fez sobre o estado da Província.Com anexos.Manaus:Typ.de Manoel da Silva Ramos.83p.30/04/1852. Rolo,Código CENDAR;R 107.2.1-001.Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/64/.17/06/13.

RELATÓRIO que o Sr. Manoel Gomes Corrêa de Miranda,Vice-Presidente,apresentou ao Sr.  Herculano Ferreira Penna,Presidente da Província do Amazonas,Manaus:Tip.de Manoel da Silva Ramos.11p.09/05/1853.CENDAR;R 107.2.1-001.Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/64/.17/06/13.

RELATÓRIO do Dr. João Pedro Dias Vieira,Presidente da Província.Na 1ª Sessão Ordinária da 3ª Legislatura.Manaus.Tip.de Francisco José Silva Ramos.21p. 1856. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/64/.17/06/13.

RELATÓRIOS DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA DO IMPÉRIO DO BRASIL.'Notas sobre os rios da Amazônia.Apontamentos sobre o Rio Juruá.Relatório publicado em 1869,publicado em 1870. Disponivel em http;//www.crl.edu/brasil.

ROTEIRO Da Primeira Viagem do Vapor Monarcha desde a Cidade da Barra do Rio Negro,Capital da Província do Amazonas,até a povoação de Nauta,na República do Per.Feito por João Wilkens de Mattos,acompanhada de uma carta do Rio Solimões e parte do Rio Negro.Manaus.Tip de Manoel Ramos da Silva.143p.1854. Rolo,Código CENDAR;R 107.2.1-001.Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/64/.17/06/13.

SILVA,Hiram,Reis e,Desafiando o Rio-Mar,descendo o Solimões,ediPURS,Porto Alegre,2010.

Snow,William Chandless;British Overlander,Marmon Observe,Amazon Explorer,1986,p.116-136.




Rio de Janeiro,01 de março de 2011.